sábado, 29 de dezembro de 2007

Poemas do livro "Caminhos de Toboso"

BEM DE RAIZ
Para meu poeta e amigo
Jomar Souto

O algodão de fibra longa
é branco por fora
e preto por dentro.
Negra semente redoma
seu mistério pedrento.

O algodão de fibra longa
rejeita a baixada.
Ele nasce no carrasco,
chão de pedra lajeado
de que faz o teu casaco.

Teu casaco de cassaco,
branco seio que recolhe
o alvo da flor pesada
no peso branco da pedra
da laje do copiar.

O algodão de fibra longa
tem preferência por pedra.
Nascido no pedregulho
exige peso de rocha
para pesar seu orgulho.

O algodão de fibra longa
orgulhoso, é zeloso
de sua origem preta.
Esconde na branca luz
sua grave estrela negra.

É tão grave a gravidade
da estrela que oculta
redonda, zero preto,
absoluto, de luto,
que só brota em terra seca.

O algodão de fibra longa
exige o zero pra ser.
Xerófilo, ele desgosta
a chuva que o chão lhe molhe
e desça à raiz resseca.

O algodão de fibra longa
é sóbrio como seu branco.
Bebe só o necessário
sem ficar rubro nem vário.
Até o gole é de pedra,

Uma bicada de água.
Uma picada, um espinho
de chuva, é só o que lhe basta.
Esse é todo o seu inverno,
como uva seca de casta.

O algodão de fibra longa
é blanc de blanc, alvo e seco,
tão forte quanto macio.
É tanta sua pureza
que se macula ao orvalho.

O algodão de fibra longa
se encabula ao sereno.
Se lhe macera a maçã
à friagem de agosto
ou julho, se o trovão

ribombou em bom dezembro.
O algodão de fibra longa
requer o Sol por estrela
se possível até de noite
para mais alvo o seu branco.

Mesmo o caroço carente
de toda luz naturada,
aposta no parco inverno
a fazenda: tudo ou nada.
O algodão de fibra longa

é jogador renitente.
Aposta no tempo quente
todo o brando de sua alva
lã, e todo o preto da alma,
no pano verde da folha.

O algodão de fibra longa,
é longa a sua pocema
na guerra, serve de corda
ao arco teso e raiva
e, de trincheira, seu fardo.

O algodão de fibra longa
urde sua fibra do sol.
Não través da fotossíntese,
mas de um processo anímico
que avatariza a luz.

Do solo, nada ele tira,
onde amarra a raiz
como fateixa no leito
amargo e seco da praia
que um dia o Sertão foi.

Do mar, alguns sobejos:
a maçã-búzio que guarda
aboio das almas vaqueiras
perdidas nas caatingas
naufragadas no deserto.

Do solo, nada ele tira.
Quando muito, o branco ósseo
do bicho do homem quedado
no seco de antigo estio.
Branco luto é seu estilo

ao contrário da semente
seu avesso, simplesmente.
O algodão de fibra longa
é mais que árvore plantada
pela mão de alma penada.


A TEZ ATRÁS DA TRELIÇA

Canto, em sonetos arcaicos,
o feito heróico ou prosaico,
e alva Rosa, e a Justiça,
nestes metros e mosaicos.

São versos trovadorescos,
são pentimentos de afrescos:
verto o Sangue na caliça
do Baixo-Inferno dantesco.

Sofre o pobre Deus no porto
das Oliveiras, digo, horto:
guarda a Rosa, nesta liça,
dos Sicários do Mar Morto.

Débora a tudo enfeitiça:
o Sino a pino na Missa.

A DIVINA REPORTAGEM

Quis o fatal pergaminho
que no meio do caminho
desta vitanda viagem
provasse do vero vinho.

Sigo na sombra sem cura
da vereda mais escura.
Encontro, por beberagem,
o sobejo da Amargura

Arde, mas não alumia,
crua chama da Agonia:
queima, a salsugem selvagem,
a pele de toda Etnia.

Meu medo medra a miragem.
Deb ilumina a paragem.

O DESTINO SOPRA A AVENA

— Tudo é pó, tu serás pó —
canta o Pó o seu rondó,
banhando a nua Ravena.
Ouve só quem está só.

O vento improvisa uma ária,
vai e venta flauta vária;
volteia, assobia a habena,
varre a desgraça dos Párias.

O vento dos condenados
a vagar apaixonados.
Voam no vento, em cadena,
Amantes assassinados.

Deb encanta-se em falena.
Venta a noite leve e amena.

O SONETO, SEU ENGENHO

Faço sonetos com aço.
São duros versos que traço
nesta lida em que me empenho
andando sob o Cangaço

Forjo sonetos de ferro,
de duros verbos que serro
na Caína em que me embrenho
e cerros por onde eu erro.

Soldo sonetos de cobre,
de metro curto de pobre.
Tempero o bronze que tenho
para Deb ouvir o dobre.
Sigo à risca este desenho:
as duas peças do Lenho.

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