sábado, 29 de dezembro de 2007

Artigos do livro "A morte do vice-governador"

OS DIAMANTES SÃO ETERNOS

As investigações sobre o assassinato do ecologista Chico Mendes estão sendo presididas por uma entidade apontada pelo próprio Chico Mendes , poucos dias antes de morrer, como articuladora de sua eliminação: a Polícia Federal. Os irmãos Alves, anunciados pelo ecologista como futuros executantes de seu assassinato, participam da investigação apenas como agentes passivos, pois não têm competência para dirigir o inquérito. Não têm, também, a licença atribuída aos agentes de duplo zero de Sua Majestade, como é o caso de 007, para matar.
O assassinato de Delmiro Gouveia, precursor do aproveitamento elétrico do rio São Francisco, terá sido executado por um desses agente de duplo zero? Gouveia tinha interesses conflitantes com o truste inglês Machine Cotton. Apó a morte do industrial nordestino, o truste comprou sua fábrica e sua usina de força ao Banco do Brasil (que financiara Gouveia) e jogou o equipamento no rio. Naquele tempo ainda não havia Polícia Federal, e o mistério permanece até hoje.
Os técnicos da Universidade de Campinas (Unicamp) que foram para o Acre investigar o assassinato de Chico Mendes (a dupla Massine& Palhares), são os mesmos que fizeram as investigações que provaram ser o cadáver deformado de um jovem como sendo o corpo de Buzaidinho, filho do então ministro da Justiça, foragido e suposto de ser um dos seqüestradores, estupradores e assassinos da menina Ana Lídia (os outros suspeitos eram Fernando Collor de Mello, futuro presidente da República, e Flávio Marcílio Filho, filho do então presidente da Câmara Federal).
Esses técnicos são os mesmos que forjaram as investigações sobre a morte de um padre em São Luís do Maranhão, do vice-governador Raymundo Asfora e do seqüestrador que pretendia, às vésperas da promulgação da nova Carta Magna (a Constituição Cidadã de 1998), arremeter um avião contra o Palácio do Planalto.
A equipe da Unicamp concluiu que o padre morreu de sobre-esforço sexual num motel, com duas putas; que Asfora se suicidou com um tiro de magnum sem deixar vestígios do disparo no ambiente; que o seqüestrador de Goiânia, alvejado por um tiro nas nádegas, e já em convalescença, morreu da noite para o dia por causa de um microorganismo incubado nos pulmões.
No entanto, a Igreja diz que o padre, ativista da Pastoral da Terra, foi assassinado e “plantado” no motel; o ex-secretário da Segurança Pública da Paraíba, delegado federal Antônio Toscano, e o ex-secretário da Segurança Pública de Pernambuco, legista Armando Samico, não aceitam a tese de suicídio imputada a Raymundo Asfora; e o agrônomo seqüestrador de Goiânia não morreu de bala, e sim do do diagnóstico da dupla da Unicamp.
Nos dois últimos casos a frase do diretor da PF, doutor Tuma, foi a mesma, apresentando o relatório das investigações: “o laudo é conclusivo.”
As investigações sobre o assassinato de Chico Mendes, dirigidas pelas instituição que o ecologista denunciou como articuladora de sua morte, também deverão ser conclusivas. O inquérito sobre o assassinato do líder rural Chico Avelino, no Conde, será conclusivo. Aliás, o presidente da UDR na Paraíba já se antecipou à polícia e concluiu que sua organização não participou do crime, assim como de outros assassinatos de pessoas ligadas à causa camponesa no Brasil, tidos como “fatos isolados”.
O presidente da UDR paraibana adiantou mais: “essa história que a UDR elaborou listas contendo nomes de religiosos que estavam sob a mira para serem assassinados não passa de invencionice (...) são forjadas pela própria Pastoral da Terra e totalmente inverídicas (...) ninguém está ameaçado de morte.
Que bom. Os listados podem dormir em paz, como os que já foram eliminados da lista e da vida — inclusive autoridades, como o deputado federal Raymundo Asfora, nove dias antes de assumir o cargo de vice-governador da Paraíba. (10-4-1989.)


ASFORA, TRAGÉDIA E FARSA

Nesses dois anos que se completam, hoje, da morte de Raymundo Asfora, a Paraíba assistiu uma farsa suceder à tragédia. Duas correntes surgiram diante da opinião pública: uma, que exige o aprofundamento das investigações até o fundo do poço onde possa estar a verdade; outra, que reúne esforços no sentido de evitar perguntas sobre a morte do vice-governador. Nesta última corrente, se insere o governador da Paraíba, Ronaldo Cunha Lima, que treme e empalidece quando se fala no assassinato de Asfora, e diz que está de ressaca.
Ansiosa e apressadamente, os arautos do silêncio sobre a morte de Asfora imputam à vítima a execução da própria morte. Sob o pretexto de”preservar a memória do morto”, obstaculam, de todas as formas, qualquer iniciativa de investigação sobre a tragédia. A angústia dos patronos do silêncio desde logo transforma-se em indício de suspeita: ou eles sabem, ou são eles.
Providenciaram, minutos após a descoberta do cadáver, a veiculação de carros de som, pela cidade de Camina Grande, propagando um convite e uma tese: o chamamento à população para a exéquias de Asfora, e a informação ao povo órfão de que o seu líer se suicidara. A tese apressada nasceu antes da perícia médica e policial; talvez, antes mesmo da própria morte do poeta, político e procurador do povo.
Um assessor de Asfora, Marcos Marinho, enxertou uma apologia do suicídio, no elogio de Pedro Nava, pronunciado pelo deputado na Câmara Federal. Mas o texto impresso, detectado por amigos verdadeiros do tribuno — o escritor Orlando Tejo e o promotor de Justiça Eduardo Albuquerque (Tejo é o consagrado autor do livro Zé Limeira, poeta do absurdo, com mais de trinta edições, e, hoje, Albuquerque é o Procurador Geral do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; ambos, amigos fraternos do cronista) — diferia da gravação magnética e da taquigrafia da Câmara, assim como da transcrição nos Anais.
Vomitaram entrevistas onde se atribuía a Raymundo Asfora prenúncios de suicídio, citando, como de lavra recente, o que teria sido“o último verso do poeta”, um mote criado por Asfora há mais de duas décadas, glosado por cantadores, publicado, e ouvido por mim, de sua boca, e do poeta Antônio José Figueiredo Agra, no tempo em que Asfora defendia Figueiredo no processo do assassinato da esposa (Cheyenne) deste trágico vate. O mote dizia algo como “minha vida é uma morte que se adia”.
Escamotearam testemunhas e depoimentos. Intimidaram, ameaçaram. O jornalista Anco Márcio, primeira voz que denunciou publicamente o complô da farsa, foi alvo de catimbas macabras. Correspondências foram violadas, inclusive deste redator. Autoridades que participavam do inquérito foram afastadas de suas funções. Mudaram as alçadas das investigações. Divulgaram boatos nas esquinas e nos meios de comunicação. Mas não conseguiram silenciar a verdade: Raymundo Asfora foi assassinado e transladado para o ambiente em que foi encontrado morto.
É o que diz o perito Domingos Tochetto, do Instituto de Criminalística do rio Grande do Sul, considerado a maior autoridade em balística na América Latina; é o que diz o perito Armando Samico, fundador do Instituto de Criminalística de Pernambuco, um dos maiores nomes da criminalística brasileira, duas vezes secretário de Segurança de Pernambuco, e que, inclusive, ganhou polêmica internacional contra a Scotland Yard (no caso da morte de um piloto inglês da Boac, morto quando caiu da marquise do hotel em que se hospedara, no Recife. A Scotland queria que o piloto tivesse sido empurrado da janela, mas Samico provou que a vítima caiu da marquise, quando tentava passar, embriagado, de seu apartamento para o das aeromoças ; é o que diz Antônio Toscano, delegado federal e ex-secretário de Segurança na paraíba, que reabriu o inquérito; é o que diz o jesuíta Nogueira Machado, professor de Física na Universidade Católica de Pernambuco; é o que diz Antônio Padilha, instrutor de tiro das polícias Federal, Civil e Militar da Paraíba, e da Federação Paraibana de Tiro ao Alvo, à qual este cronista é filiado; é o que diz Geraldo Beltrão, professor de física e criminalista, escalado pela OAB para acompanhar o Caso Asfora.
A verdade indiscutível é que um disparo de .357 magnum transfixaria a cabeça de Asfora e se alojaria em alguma parte do ambiente. Mas o último impacto só existe no croqui da perícia suicidista; o ambiente está intacto: eu vi e conferi com o desenho (comic) mentiroso. E digo mais: os assassinos de Asfora estão entre os temem investigações. (6-3-1989.)


BRANDÃO & ASFORA

Quem me deu a notícia foi o repórter policial do Correio, Humberto Lyra, com a voz trêmula: “mataram Paulinho!” Lyra estava na calçada do jornal, junto à porta de entrada, aonde eu ia chegando para meu trabalho de copy. Foi a primeira vez que vi um repórter policial tremer. Não recebi a má notícia com surpresa. Eu já esperava um acontecimento semelhante. Saímos, eu e Lyra, no meu Chevette, sem esperar pelo carro da reportagem.
Chegamos ao local do crime antes da polícia e dos fotógrafos, o corpo quase vivo no chão, 28 (vinte e oito) perfurações, e muito mais na camioneta Parati de Paulo, estacionada ao lado da morte. O chefe de segurança da Polyutil, empresa da qual Paulinho era sócio, e que retirara o cadáver do carro, chorava. Ainda havia poucas pessoas. Depois, foram chegando a polícia, o superintendente de polícia, o secretário da Segurança, Fernando Milanez. “Ninguém evita um crime deste” — disse o secretário (anos antes, o filho do secretário da Segurança e outros rapazes da sociedade foram envolvidos num rumoroso assassinato de um taxista, denominado na crônica policial como “o crime da churrascaria Bambu”. Foram absolvidos, mas o crime não foi esclarecido. Nem evitado, como disse Milanez, pai do chefe de seu gabinete, hoje presidente da Câmara Municipal da Capital). Alguém apanhou algumas cápsulas, que identifiquei como sendo de 9 mm parabellum.
Tempos depois, o perito balístico Domingos Tochetto, considerado o melhor especialista na América latina, constatou que os estojos foram deflagrados pela metralhadora da Casa Militar de Palácio. Tochetto é perito balístico do Instituto de Criminalística do Rio grande do Sul e consultor técnico da Rossi, indústria de armamentos. É Tochetto quem redige os manuais e catálogos da Rossi, publicados em edições bilingües. Ele escreve, também, livros didáticos sobre ciências naturais. Recebo suas publicações.
Depois da morte de Paulo Brandão, estamos juntos, agora, no caso Raymundo Asfora. Conversamos nada menos que dez horas sobra a morte do vice-governador, conversa testemunhada, em parte, por Dom Hélder Câmara, Arcebispo de Olinda e Recife. E eu querendo ensinar o Padre-Nosso aos vigários:
— Doutor Tochetto, sei que um projétil .357 magnum de velocidade supersônica e 75 kg de energia, duas vezes mais potente que um .38 especial (carga dupla), tem capacidade perfurante para transfixar a cabeça de um homem e se alojar profundamente numa parede próxima. Mas, no ambiente em que Asfora foi encontrado morto, não existe alojamento nem impactação do projétil nas paredes, nem no teto, nem no solo, nem nos móveis; nem o projétil que o matou foi encontrado. Diante dessas evidências, desprezo até a circunstância de a vítima não ter caído da cadeira em que foi encontrada, presumivelmente após receber o impacto que lhe transfixou a cabeça e teria arremessado o corpo ao solo. O senhor já pesou esse fato?
E o doutor Tochetto, indulgente com minha pretensão de lhe ensinar balística, respondeu-me com sua voz suave e serena:
— O doutor Asfora não morreu naquela sala (Uma testemunha viu Asfora chegar, sendo carregado como se estivesse bêbado (ele não se embriagava a esse ponto). Mas a testemunha desapareceu para sempre).
Hoje, passados cinco anos da morte de Paulo Brandão e três da morte de Asfora, não me assustam os fatos de um proprietário de jornal (quase na mesma época em que Brandão foi assassinado (governo Wilson Braga), outro proprietário de jornal, oposicionista, foi executado na Paraíba, com uma saraivada de balas que lhe seccionou a artéria femoral: Fernando Ramos, o popular Fernando “Judeu”, piloto e construtor amador de aviões) e de um vice-governador serem assassinados num País que vive e morre sob um sistema capitalista predatório. Principalmente porque tanto o jornalista quanto o político denunciavam distorções desse sistema que tem na violência a base de sua sustentação.
O que me assusta é o fato dessas mortes permanecerem não resolvidas, a despeito da parafernália de recursos investidos nas investigações (perdoem a aliterância). Eis o que me leva a tremer mais que a surpresa do repórter policial Humberto Lyra, veterano na rotina da morte.
Em ambos os casos, houve a mentira nas primeiras perícias: no assassinato de Paulo Brandão, os primeiros peritos negaram que os estojos e projéteis foram disparados pela metralhadora da Casa Militar; no assassinato de Asfora, a perícia da Unicamp chegou a desenhar um croqui, um comic, indicando a trajetória do projétil transfixando o crânio da vítima, impactando e se alojando na parede da sala em que o corpo foi encontrado, sentado numa cadeira sem braços, a cabeça tombada em posição contrária à formidável energia do impacto, o braço e o revólver tombados em posição contrária à medonha energia do disparo. Tudo contrariando as leis da física de causa e efeito, ação e reação.
A perícia da Unicamp não acrescentou uma foto do fictício alojamento ou do fantacioso impacto do projétil porque tal fato não existe, precisou ser inventado e desenhado no croqui mentiroso. Agora, o Caso Asfora foi reaberto e encaminhado ao Instituto de Criminalística da Bahia [que devolveria o inquérito sem se pronunciar].
Mas há outro processo, abrangente de todos os processos insolúveis do Brasil, que estará sendo julgado no dia 17 do corrente, domingo próximo: é o processo da democracia brasileira [o autor se refere às eleições do segundo turno da eleição à Presidência da República, em que Lula lá perdeu para Collor cá. Q. V. Collor, a Raposa do Planalto, Sitônio, São Paulo, Anita Garibaldi, 1992]. Se o júri popular acertar o seu veredicto, as vítimas serão resgatadas, os criminosos condenados, os inocentes libertos. (14-12-1989.)


MENTIRA DE CAMPINA

Faço uma aposta com quem quiser: se derem um tiro de magnum.357 na cabeça da estátua de Raymundo Asfora, ela não fica no lugar. Um bom teste para tirar a dúvida se o cadáver de Asfora ficaria sentado depois de um impacto de 75 kg (duas vezes mais que um tiro de .38 carga-dupla), à velocidade supersônica de 380 mps, de um projétil magnum .357 expansivo (hollow-point), semi-jaquetado, que lhe transfixou a cabeça e desapareceu sem deixar segundo impacto numa sala fechada.
Só o bang supersônico do disparo, mais a explosão do impulsor, quebrariam algumas das muitas vidraças (portas e janelas) que fecham o ambiente — conhecido pelo jargão das gravadoras como piscina acústica — e trincariam alguns dos tantos cristais, inclusive tulipas, que nem sequer tombaram, repousando em três móveis dentro da sala.
O ideal seria fazer o teste com algum dos mandantes ou com o pistoleiro que executou Asfora, ou, ainda, com os peritos mentirosos que desenharam um croqui de estória de quadrinhos (comic), mostrando uma trajetória falsa do projétil e uma impactação com alojamento, mais falsos ainda, na esparede situada à esquerda do cadáver sentado numa cadeira sem braços, à frente da meiota de uísque, copos em pé, cigarro pousado na calha do cinzeiro, o revólver sobre a mesa, a cabeça sobre a mão que teria disparado a arma. Tudo contrariando a energia do tiro: cabeça, tronco e membros, mais o revólver, que não caiu no chão com o coice cavalar (Asfora estava sentado à extremidade da mesa, junto à cabeceira).
Dez meses depois do assassinato, a detectação de resíduos de chumbo na mão direita da vítima. Ora, um cartucho semi-jaquetado por camisa de cobre e disparado por revólver calibrado não expele resíduo de chumbo; e, se tal houvesse na mão decomposta do cadáver, havia também na atmosfera poluída pelo nitrato de chumbo da gasolina, a tinta da casa em reparo, na pomada Calminex que a vítima usara na véspera, justo na mão direita. Encontraram resíduos de chumbo, mas não encontraram o projétil que nem expelira os resíduos, pois estava revestido de cobre! E cadê os resíduos de cobre? A perícia se esqueceu de falar neles.
Por que, até hoje, não depôs Manuelzão — a pessoa que acompanhou Asfora até sua porta na madrugada do crime, exatamente o motorista do então prefeito Ronaldo da Cunha Lima, e por ordem do patrão, segundo revelações do ex-prefeito à revista A Carta, antes da missa de sétimo dia?
Por que nunca foi ouvido o agente federal que declarou diante dos presentes em volta do cadáver, que se fosse constatado o homicídio entregaria os autores em 24 horas? [O agente foi logo removido de Campina Grande]. Por que preferiram hipóteses intangíveis às provas tangíveis, para forjar um suicídio diante da evidência de um homicídio, chegando-se ao ponto de traçar um diagnóstico psicológico do morto — empresa difícil à psicologia — e de se reconstituir um suicídio não testemunhado — procedimento inédito na criminalística?
Por que destruíram ontem um monumento vivo, para levantar hoje um monumento inanimado, em ano eleitoral?
Por que adulteram, com enxertos apócrifos e apologistas do suicídio, o elogio de Asfora ao escritor Pedro Nava, fato constatado pelo promotor Eduardo Albuquerque, pelo escritor Orlando Tejo, e pela taquigrafia da Câmara?
Por que ver conotações de auto-destruição em veros que Asfora teria criado na madrugada de sua morte, decorados e transmitidos ipsis litteris pela memória privilegiada do chofer “intelectual” do prefeito Cunha Lima, acompanhante de Asfora na sua última derrota de bares — versos que este colunista e que outros amigos comuns em Asfora já conhecíamos pelo menos desde 1965, e, portanto, 22 anos antes do poeta ser assassinado na noite fria de Campina?
Por que a pressa de anunciar, em carro de som, o suicidamento de Asfora, antes das investigações mais elementares, quando as circunstâncias da morte eram mais que suspeitas, como se o carro de som já estivesse de plantão para a falsa notícia?
Por que tantas obstaculações oficiais diante das tentativas de novas perícias, investigações e pesquisas, quando o trono de Palácio é ocupado por quem se diz irmão de Asfora?
Por que o redator da prefeitura de Campina Grande teve o ato falho e o prazer de convidar amigos para homenagem ao morto?
Por que o então secretário de Segurança, delegado federal Antônio Toscano, o perito Domingos Tochetto, cnsiderado o maior balístico da América Latina, o legista Armando samico, e credibilidade em foros internacionais, o físico Nopgueira Machado, professor da Universidade Católica de Pernambuco, e o instrutor Raymundo Padilha, terinador de tiro da equipe campeã na Olimpíada Nacional da Polícia Federal, não aceitam a farsa e a imputação de suicídio a Asfora?
Por que um vice-governador eleito é assassinado nove dias antes de sua posse, e tudo fica por isso mesmo?
Por que este articulista, atirador filiado à Confederação Brasileira de Tiro ao Alvo (CBTA), e o advogado e físico Geraldo Beltrão, insistem para que as investigações sobre a morte de Asfora sejam esgotadas?
Porque a verdade da vida de Asfora incomodava a muitos, e porque a verdade de sua morte incomoda muito mais. (17-1-1990.)


ASFORA NA GLOBO

O Caso Raynundo Asfora será analisado hoje, às 22h30, no programa Linha Direta, da Globo. Transmitido para todo o Brasil, o programa dirigido pelo jornalista Hélio Costa vai ao ar, na paraíba, através da afiliada TV Cabo Branco, canal 7. O interesse de Costa pelo Caso Asfora pode ter ampla repercussão, pois, além da audiência de seu programa, o jornalista atinge um público muito especial: ele é deputado federal por Minas Gerais, e a morte misteriosa do vice-governador e ex-deputado federal é uma interrogação para seus antigos colegas de parlamento. Recentemene, estive na Câmara Federal, em Brasília, e vi que era grande a expectativa dos deputados sobre o enforque de Costa no Caso Asfora.
O próprio Costa me revelou sua convicção de que Asfora foi assassinado. Conversamos, na Câmara, poucos dias após a gravação do programa. Apesar de ter sido procurado pela produção da Globo para prestar meu depoimento, não foi possível contato com a equipe. Nas duas vezes que a reportagem da Globo esteve na Paraíba, eu me encontrava no Rio de Janeiro e em Brasília. Mas ainda passei, por telefone, os resultados de minhas investigações à produção do programa.
A equipe de Linha Direta ouviu todos os pesquisadores que estudaram o Caso Asfora, desde Domingos Tochetto, no Rio grande do Sul, a Armando Samico, em Pernambuco, e Antônio Toscano, na Paraíba. Ninguém foi omitido. Apenas alguns dos suicidistas, como os legistas da Unicamp. São Paulo, se recusaram, estranhamente, a depor. Mesmo os que tentaram, por diversas vezes, obstacular as investigações (como o governador Ronaldo Cunha Lima), não foram poupados pela reportagem — que não se intimidou diante da arrogância, da chantagem e da truculência.
Foram muitas as tentativas de intimidação para que o trabalho da Globo não se realizasse, como são muitas as tentativas para que o inquérito cobre a morte de Asfora não tenha continuidade. O jornalista Anco Márcio, primeiro a levantar, na Imprensa, suspeitas sobre a farsa de suicídio de Asfora, foi novamente ameaçado.
Apesar de tudo, o programa está concluso e vai ao ar, apresentando alguns fatos novos sobre a tragédia. Outros fatos, ainda confidenciais, serão liberados oportunamente. O Instituto de Polícia Técnica da Bahia, solicitado pela Justiça da Paraíba, prepara laudo sobre o assunto. Um detalhe: o processo, remetido pela Justiça da paraíba ao instituto baiano, levou quatro meses para chegar ao destinatário. E, a rigor, não chegou: o destinatário foi quem mandou fazer busca nos Correios para poder receber a documentação, via Sedex, depois que a irmã de Asfora, minha amiga Myriam, foi pessoalmente a Salvador para tentar descobrir o paradeiro da correspondência.
O mesmo aconteceu com uma indústria de armamentos bélicos, também solicitada pela Justiça da Paraíba a emitir parecer técnico. O lóbe montado pelos suicidistas, temerosos que a verdade sobre a morte de Asfora seja revelada, é poderoso — o que demonstra o nível de influência e coação do complô ainda oculto, mas que será desmascarado.
Além da Globo, outros veículos e comunicação, de vários estados brasileiros, já pautaram pesquisa de reportagem sobre o Caso Asfora. O prestígio de peritos que atestam o assassinato do tribuno brasileiro, como é o caso de Domingos Tochetto — consultor da Indústria de Armamentos Rossi, consultor da revista magnum (especializada em armas e munições), e perito do Instituto de Criminalística do Rio Grande do Sul — tem despertado a atenção da imprensa nacional e da comunidade legista brasileira. Outro perito de renome internacional, e que não aceita a farsa suicidista, é o professor Armando Samico, fundador do Instituto de Criminalística de Pernambuco e respeitado até pela Scotland Yard.
Os que investiram seu tempo e sua segurança para desmascarar o crime contra Asfora começam a ver a vitória de seus esforços, como o intimerato Geraldo Beltrão, físico e criminalista. Mas vamos ao Linha Direta, logo mais na Globo. Depois, há outros informes. (10-6-1990.)


O SILÊNCIO DO UIRAPURU

Você viu e ouviu, não fui eu quem disse. Foi Hélio Costa, ex-governador de Minas Gerais (concluiu o mandato de Tancredo Neves), deputado federal e ex-diretor da Globo na sucursal de Nova York — um jornalista brasileiro de nível internacional. Pois Hélio Costa, na última quinta-feira, dedicou todo o seu programa Linha direta para dizer ao Brasil que Raymundo Asfora foi assassinado, e não se suicidou, como querem os suicidistas e autores intelectuais de um crime nem tanto perfeito.
Dessa vez não fui eu quem disse, nos jornais da província, que Asfora foi vítima de um complô criminoso, e que a sociedade brasileira tem sido vítima de um complô silencioso sobre a verdade da morte do vice-governador eleito e insubstituível. Dessa vez foram Hélio Costa e a Rede Globo de Televisão, em uma hora de programa nacional, horário nobre. A audiência estourou em todo Brasil e, principalmente, na Paraíba.
Se você não viu, nem ouviu, ainda pode pegar a reprise que será levada, brevemente, pela TV Cabo Branco. Ou, ainda, pegar uma carona no vídeo que muita gente gravou documentalmente. Na próxima quinta-feira, ainda tem mais: alguns detalhes que não couberam no programa do dia dez, serão apresentados no início do Linha direta.
Se você sabe de alguma coisa, se tem alguma informação que possa elucidar o crime de que a Paraíba e o Brasil foram vítimas, ligue para o Linha direta, confidencial e sigilosamente.
O impacto do roteiro apresentado por Hélio Costa teve um efeito notável sobre a opinião pública paraibana e brasileira. Em todo o País, amigos de Asfora, agora convencidos da realidade de seu assassinato, estão se articulando para que as investigações sobre a morte do tribuno sejam levadas até o fim, com a devida indicação dos culpados. O lobe do silêncio e da farsa sobre a morte de Asfora foi vencido por um jornalista sem ligações com a Paraíba, numa prova que o vice-governador e ex-deputado paraibano era um patrimônio da cultura brasileira.
Já se articula, na Câmara Federal, a formação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o assassinato do tribuno brasileiro. A inquietação dos parlamentares atinge, inclusive, o Senado, composto de muitos representantes oriundos da Câmara dos Deputados, nostálgicos da palavra luminosa de Asfora.
Hélio Costa apresentou, quinta-feira última, o seu melhor programa da série atual, em que levanta crimes insolúveis para o conhecimento da consciência do País. O Caso Raymundo Asfora, intitulado no programa de Costa como A morte do poeta, justificaria, por si só, todo o esforço que a equipe da Globo vem desenvolvendo para maior transparência e justiça da criminalística brasileira. O roteiro foi fiel à crônica dos fatos. Apenas alguns detalhes poderão ser revistos, como os nomes das últimas pessoas a edtarem com Asfora, e seu acompanhante, ou seus acompanhantes, no último trajeto para sua casa.
É de se lembrar a entrevista concedida pelo então prefeito de campina Grande, Ronaldo Cunha Lima, à revista A carta, antes da missa de sétimo dia de Asfora, quando o prefeito (agora governador) afirmou que mandara seu motorista acompanhar Asfora até em casa. Inexplicavelmente, o motorista Manuelzão, último acompanhante do vice-governador, (segundo Cunha Lima) nunca depôs nos inquéritos instaurados.
Que tem medo de novas investigações sobre a morte de Asfora?
Só os suicidistas, aqueles que, por autoria ou co-autoria, teme que o silêncio da Granja Uirirapuru cante a sua verdade. (12-5-1990.)


MASSINE, MENGELE & PALHARES

Ana Lídia foi seqüestrada, estuprada e assassinada no dia do casamento de Flávia Marcílio, início da década de 70, Brasília. Foi fácil ocultar o cadáver de Ana Lídia. Era um pequeno cadáver de menina, um pequeno cadáver de borboleta, leve e azul. A noiva era belíssima (Flávia Marcílio foi rival de Geraldine Chaplin, quando ambas disputaram o mesmo príncipe mal-encantado; mas Flávia terminou ficando com o promotor Eduardo Albuquerque, que não tinha entrado na história), a noiva é belíssima, irmã de Flavinho; a filha e o filho de Flávio Marcílio, deputado federal pelo Estado do Ceará e nome do edifício da Câmara dos Deputados, em Brasília.
Ana Lídia não sobreviveu à noite de núpcias: os legistas encontraram esperma até nos pulmões. As suspeitas apontaram Buzaidinho, filho do Buzaidão, então ministro da Justiça da ditadura militar; Fernandinho, filho de Arnon de Mello, senador por Alagoas; e Flavinho, o irmão de Flávia, a noiva ainda hoje reqüestada para modelo fotográfico dos diamantes mais eternos, que ficam mais belos ao seu colo.
No dia do casamento de sua irmã, Flavinho foi suspeito de seqüestrar, estuprar, matar e, depois, ocultar o cadáver da irmã de um amigo. Freud explica? Se diz que o irmão de Ana Lídia não honrara o compromisso torpe de trazer a maconha, já paga, para os amigos Flávio Marcílio Filho, Antônio Buzaid Filho e Fernando Collor de Mello [fututo presidente do Brasil]. Era a ditadura, e os suspeitos de falar sobre o assunto foram presos. Na ditadura militar se descobria tudo, s dscobriu tudo, menos quem seqüestrou, estuprou, violentou e matou Ana Lídia, e, depois, ocultou o cadáver-criança.
Buzaidinho, o principal suspeito, desapareceu. Dizem que foi para a França, la douce France, exílio que acolheu, também, Fernandinho, que foi morar com a irmã, esposa de um diplomata brasileiro. Naquele tempo, os maus brasileiros (assim chamados pela ditadura) iam para a França.
— “Não foi Fernandinho” —, me disse Flávia, a bela que roubou seu noivo à Geraldine, filha de Chaplin — “Fernandinho passou o dia lá em casa, com seu pastor-alemão”.
Tempos depois, apareceu no Brasil um cadáver jovem, vítima de acidente, mais irreconhecível que Ana Lídia, a que era leve e azul. “É o cadáver de Buzaidinho” — disseram alguns familiares. “É o cadáver de Buzaidinho” — afirmaram os dois professores de Medicina Legal da Universidade de Campina (Unicamp), São Paulo, convocados a sepultar o caso. O cadáver jaz e Buzaidinho faz — na eternidade inimputável, irresponsável perante a lei como os reis do Brasil, na dinastia de Bragança. Assim foi o começo da carreira gloriosa de Massine & Palhares, o Calvo e o Cabeludo, a dupla de Unicamp (depois que Chibata, o legista da ditadura, ficou desmoralizado com o caso Vladimir Herzog, executado no cárcere da tortura, ao qual atestara suicídio).
Acharam a caveira de um velho. “É a caveira do velho Mengele” — disseram os coveiros do falso Buzaidinho. E Mengele, o médico alemão acusado de sacrificar crianças-cobaias nos laboratórios nazistas, deixou de ser procurado pela ditadura no Brasil — assim como Buzaidinho, o mengele de Ana Lídia. Peritos alemães contestaram o laudo de Massine & Palhares. Mas, para o governo do Brasil, exílio de todos os carrascos, Mengele é morto, o caso é sepultado.
O cadáver do padre comunista, executado pela repressão, foi desovado num motem em São Luiz. A polícia escalou uma dupla de putas para dizer que estavam fazendo suruba com o padre. E a dupla da Unicamp atestou que o padre morreu de parada cardíaca, causada por sobre-esforço sexual. “Mataram o padre duas vezes: física e moralmente”, me disse Hérder, arcebispo de Olinda e Recife. E supultaram o caso.
O vice-governador da Paraíba, Raymundo Asfora, foi encontrado morto, sentado à extremidade de uma mesa, numa sala fechada por vidraças, a cabeça transfixada por um tiro de magnum .357 — munição com dez grains de pólvora — capaz de impulsionar seu projétil à velocidade supersônica de 380m (trezentos e oitenta metros) por segundo e 75kg (setenta e cinco quilogramas) de energia cinética no impacto, por polegada quadrada.
O cartucho .38 duplo (especial), com as mesmas dimensões, recebe quatro grains de pólvora, e seu projétil, subsônico, desloca 37kg (trinta e sete quilogramas) de energia sinética por polegada quadrada — o que é um grande impacto, capaz de parar e derrubar (stop-power) um homem no ataque. No entanto, o projétil do magnum— a que se atribui a morte de Asfora — não teve energia para arremessar o corpo da vítima embriagada ao chão (do ex-senador pelo Paraná François Leite Chaves a respeito da morte do vice-governador paraibano: “quem conheceu Asfora sabe que ele não se suicidaria deixando meio litro de uísque em cima da mesa), nem para impactar no ambiente, desaparecendo na sala hermeticamente fechada.
‘O meu magnum rompe três tábuas de sucupira (Ormosia) seca, com uma polegada e meia, e se aloja na quarta’ — disse eu à dupla (que se disputa) Massine & Palhares, em nosso terceiro encontro. “A cabeça de Raymundo Asfora não era de sucupira”— respondeu-me cinicamente um deles. ‘E o projétil, que não se alojou no ambiente, nem foi encontrado?’, perguntei aos gaios cientistas: “alguém achou e levou como suvenir”, responderam-me o juramentado (à época, só Palhares era perito reconhecido por lei; o outro, Massine, era perito de araque; depois, a dupla brigou, trocou tapas no laboratório da Unicamp, e se acusou mutuamente. Massine revelou à revista Isto é que pairava dúvidas sobre o laudo de Asfora). E os dois, afinados a uma só voz: “foi suicídio”.
— “Doutor Asfora não morreu naquela sala”, me disse Domingos Tochetto, considerado o maior balístico da América Latina, solicitado pelo então secretário de Segurança da Paraíba, delegado federal Antônio Toscano, a periciar o assassinato do vice-governador.
No seu laudo, Massine & Palhares tiveram que desenhar o alojamento do projétil na parede, pois nunca poderiam fotografar um impacto que nunca existiu nem ainda existe. Uma garatuja malfeita como a mentira (para fazer o quadrinho (comic), poderiam ter chamado a prata da casa, Deodato Filho, que desenha, desde a Paraíba, comics para as maiores editoras americanas, sem sair da terra, remetendo os originais pelo computador).
Sábado último, em simpósio promovido pelos estudantes de Direito de Campina Grande, Massine de Mengele ainda reafirmou, em resposta à pergunta da platéia, sua mentira suicidista. Mas se recusou a expor o Caso Asfora, intimidado pela presença física do advogado e físico Geraldo Beltrão, designado pela OAB para acompanhar o processo.
Na véspera, o debate de Beltrão X Massine fora adiado, a última hora, pelos organizadores. Alertado pelo cronista, Beltrão e eu comparecemos, munidos de catatau de documentos, à noite do desconvite. Massine, que já concedeu amplas e desembaraçadas entrevistas à Imprensa sobre o caso, quando foi convidado a compor a mesa passou por nós. De cabeça baixa, olhou de soslaio para o catatau, coçou o nariz, e alegou, pela primeira vez, que o assunto estava sub-judice. E calou-se. (24-4-1991.)

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